
Se a comunicação permite as conexões pela via do entendimento, por que tantas vezes, ela parece ser mais uma barreira do que uma ponte para a compreensão? Por que sendo um processo para conectar pessoas, não raro, causa rupturas e condena relações?
É certo que comunicar-se não é simples.
Todo ato comunicativo é encontro de subjetividades, por isso, reflete um emaranhado de processos complexos. Mas dentre os desafiadores processos comunicativos, expor opiniões parece sempre ser o mais arriscado.
A resposta talvez esteja no que está em jogo quando nos comunicamos, sobretudo, no que diz respeito a emitir opiniões.
Descartes filosofava nas suas Meditações que ‘os imediatismos de nossos interesses nos levam a defender posições antes de analisar as situações com suficiente zelo, por isso é preciso confessar que a vida do homem está sujeita a falhar assiduamente pela incorreção e debilidade de suas opiniões’.
E o filósofo tem razão. Costumamos falhar não somente pelo ímpeto da imposição cega de opiniões, mas, inclusive, pela ausência de uma reflexão prévia sobre os fundamentos de nossas certezas e pelo descuido quanto ao que nossas ‘verdades líquidas e certas’ podem deflagrar.
Dificilmente, as opiniões são expostas com o simples objetivo de demonstrar diferentes perspectivas de um mesmo fenômeno. Quando opinamos, queremos também influenciar o outro na direção do que pensamos, uma vez que tendemos a considerar correto e coerente tudo o que coincide com nossas certezas.
Comunicar-se não é apenas dar fluxo a um conjunto de palavras. O ato comunicativo é, antes de tudo, uma situação de troca, por isso, envolve, além de aspectos relacionados à linguagem e à emoção, algum nível de exercício de poder pelos interlocutores. Quando dizemos algo, além de afirmar o que pensamos, revelamos também um pouco do que somos.
Podemos dizer que no ato comunicativo há sempre afirmação de identidades e talvez seja esse o fator desencadeador de certa vontade de exercer supremacia na situação comunicativa para que nossa verdade prevaleça.
O psicólogo Gordon Alport dizia que o meio mais infalível para obscurecer a verdade é querer possuí-la por inteiro. E há mesmo, quem deixe aberto apenas o portal da própria opinião, fechando os ouvidos a qualquer visão diferente.
E quanto mais fechamos a porta da escuta e da tolerância mais deixamos de descobrir possibilidades infindas da prática comunicativa para ampliar compreensões, conquistar e reconstruir relações. Talvez, isto seja o nó da teia das trocas comunicativas em geral.
Quando esquecemos que comunicação é linguagem e troca e focamos no exercício do poder, deixamos aberta apenas a via para o trânsito de interesses imediatistas, ideias preconcebidas, fundamentalismos, ortodoxias obtusas, radicalismos arrogantes, além de dar margem à emergência de outras formas paranoicas de impor percepções.
Se antes da revolução digital esse fenômeno ficava circunscrito a nível mais restrito, com o advento da rede mundial de computadores e das redes sociais, isso ganhou escalas inimagináveis. As opiniões destilam crueldade, arrogância, sarcasmo. A negligência quanto a direitos humanos, maledicências e ataques grassam a via comunicativa virtual.
Se, Descartes no século XVII, já estava preocupado com a forma como negligenciamos a comunicação, imaginem se ele pudesse ver como as opiniões são lançadas nas redes sociais. Certamente, ficaria perplexo com o triste reflexo da ausência de compreensão sobre o peso ético e o papel humano da comunicação.
Somente a compreensão do que está em jogo na prática comunicativa pode levar-nos a retirar barreiras à comunicação genuína e fomentadora de encontros e vínculos.
Não podemos esquecer que a comunicação íntegra é fruto da conexão íntima e inteira com o que somos e com os outros. É, sobretudo, afirmação de princípios e consciência.
Quando deixamos aberta a porta do reconhecimento do direito alheio de também exercer consciência e livre-arbítrio colocamos tijolos consistentes para a sustentação do que nos constitui como seres de linguagem, pensamento, e valores. Criadores do mundo para si e para todos.
