
Este ensaio não é sobre acrobacias circenses. A despeito disso, falaremos de um assunto o cotidiano que guarda muitas semelhanças com a arte dos picadeiros: o enfrentamento dos desafios existenciais com serenidade e equilíbrio.
Como tocamos a viola da vida? O tipo de pensamento que fomentamos internamente, determina o tipo de ação ou reação que teremos no enfrentamento dos desafios cotidianos. Alimentamos um pensamento interno negativista? Ou, do contrário, mantemos visão realística e de confiança no futuro e em nós mesmos como seres com capacidade de realizar e transformar? Enfrentamos os desafios com serenidade? Que níveis de ansiedade estão presentes quando pensamos nas obrigações futuras? Sofremos com a iminência de assumir responsabilidades com maior nível de complexidade?
Possivelmente, ao tentar responder a essas questões, precisamos lançar mão da palavra preocupação. É como se fosse automático. Quando temos de resolver algum problema, já começamos a nos preocupar com o que será vivido.
E parece que essa é uma questão humana universal, por isso, quem quer triunfar, ou seja, agir de forma construtiva e edificante para si e para os outros, precisa dedicar um pouco de atenção aos efeitos da preocupação excessiva (ou obsessiva?) na nossa existência.
Planejamento intuitivo. É impossível não termos algum nível de preocupação. É natural procurar antever o que precisamos realizar, por esse motivo, preocupar-se pode ser eficaz para nos tranqüilizar. Pode baixar o nível de ansiedade quanto às incertezas. É como se ela fosse um ensaio que realizamos no pensamento para antecipar formas de lidar com as situações. Nesse caso, a preocupação pode ser considerada um planejamento intuitivo. Mas essa “eficácia” pode levar a preocupação a ser uma conduta autoreforçadora, ou seja, ela tende a virar hábito e daí, pode vir o exagero.
A preocupação não precisa virar obsessão. Quando isso ocorre, deixamos de lidar com as nossas ocupações de forma produtiva . Viramos preocupados crônicos, pessoas imobilizadas pelo desgaste desnecessario de energia emocional.
E existe um antídoto contra a preocupação excessiva? A existência não comporta previsibilidade plena, há sempre a possibilidade do imponderável. Apesar disso, não precisamos nos desesperar. A resposta talvez seja: adotar atitude positiva e realística.Viver é deliciosa aventura; é obra de arte. Cada pessoa constrói sua existência e se desembaraça dos seus próprios desafios. Cada um de nós tem uma bela e exuberante tarefa: criar seu próprio existir e dar-lhe sentido. E a pimenta de tudo isso é que não há fórmulas e não há tempo para monotonia, pois cada dia traz novos desafios ou renova velhos dilemas.
A despeito de não existirem fórmulas, podemos adotar como hábitos e promover: a solidariedade, a compaixão e o altruísmo. Atitudes que levam as pessoas a se ajudarem mutuamente. Ser ajudado é uma necessidade básica do ser humano e talvez esse tenha sido o toque de perfeição dado pelo criador quando nos fez.
Apesar de, às vezes, agirmos como se fôssemos autossuficientes, o homem isolado e capaz de tudo é mera abstração.
Daniel Defoe, escritor inglês, tentou louvar o poder do indivíduo autossuficiente criando um náufrago solitário, Robinson Crusoé, que precisa sobreviver numa ilha deserta e hostil. Mas, quem já leu o livro, deve lembrar do “Sexta-feira”. Um selvagem que surge do nada. Sexta-feira, o nativo inesperado que ajuda o herói em suas empreitadas é uma boa metáfora de nossa incapacidade para resolver tudo e controlar todas as situações sem contar com a ajuda des nossos pares.
Muito da ansiedade presente na existência humana advém desse sentimento de onipotência que, muitas vezes, teimamos em alimentar. Conversar, partilhar problemas e sentimentos é fundamental para darmos às contingências que atravessamos as suas reais dimensões. Muitos fantasmas que criamos são frutos do afastamento que mantemos de nossos semelhantes.
Ocupar-se de cada dia com o que lhe cabe de trabalho, desejo e dedicação e sabermos que não estamos numa ilha deserta é, a saída possivel para não cultivarmos a preocupação excessiva – atitude que nos leva a desperdiçar tempo e qualidade de vida, alimentando um discurso interior com angústia e negativismo.
Somos seres capazes e potentes, mas somos inacabados. Riobaldo, personagem criado por Guimarães Rosa, no livro Grande Sertão, Veredas, diz o seguinte: “Mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam.”
Lição perfeita que nos inspira e lembra que a vida é escola permanente com contínuos aprendizados e que é possível abrir mão da vontade de controlar todas as situações e antecipar o futuro pela preocupação excessiva. Cada desafio nos aprimora, amola nosso estilo. Por isso, precisamos harmonizar pensamento e emoção para nos lançarmos à existência de forma a extrair dela toda a essência e substância no tempo propício.
E para isso, podemos desenvolver condutas que não nos tornem reféns das circuntâncias. Como fazer isso? Quem sabe podemos levitar. Flutuar para viver com coragem e leveza. Que tal enxergar nos momentos críticos que todos podemos atravessar, as possibilidades de aprendizado edificante? Que tal, enxergar a dimensão real das coisas; não supervalorizar pequenos eventos como se fossem decidir toda nossa vida?
Transcender! Somos seres simbólicos, espirituais e portanto, capazes de acreditar em algo maior do que nós: a fé, a arte, a natureza, a convivência.
Realizar coisas ou cultivar atitudes que proporcionem bem-estar emocional. Identificar o que gostamos de fazer e, de vez em quando, reservar um tempo para isso.
Adotar a leveza como estilo de ação. Enfrentar as situações com firmeza, mas mantendo a autoconfiança. Os desesperados não realizam, apenas sofrem.
Substituir agressividade por assertividade, como aconselha Che Guevara: “Ser firme sem perder a ternura jamais”.
Buscar serenidade. Cultivar o autoconhecimento. Respirar com consciência. A respiração tem função integradora de emoções e pensamentos. É profundamente relaxante e capaz de atribuir leveza ao nosso agir.
Concentrar-se. Entrar em fluxo. Qando estiver realizando algo concentrar-se no aqui e agora e tirar o máximo proveito do que a experiência vai proporcionar.
Pensar nas pessoas do nosso convívio como presentes e não como fardos. Comonos lembra Almir Sáter: “Cada um traz em si o dom de ser feliz, de ser capaz… “.
Planejar nosso dia, sem sermos escravos da agenda. Replaneje, eleja prioridades. O tempo pode ser cronos. Tempo de agenda ou período que falta para a morte. Mas o tempo pode ser também Kairós, fruição, fluxo e escolha ou período a ser preenchido de vida.
Somos parte do universo e não o centro dele. Façamos a nossa parte. Existem, felizmente, os outros. Bilhões de seres humanos espalhados no Planeta que podem e querem realizar. Isso pode dar uma dimensão real do nosso papel e da capacidade dos outros.
Preocupar-se na medida certa é deixar abertas as portas da criatividade e da serenidade para arejar nossas escolhas. O olhar realístico permite-nos flutuar acima do lado penoso da existência e ajuda-nos a acendermos faróis na direção do caminho que traçamos; permite-nos iluminar o terreno para a boa lavoura. Somente assim, não esqueceremos que ao cultivar o solo, precisamos pensar na colheita e não nas pragas que poderão atingir a plantação.
Olá Lidu,
Parece que a data que escolhi para ler teu artigo tem tudo a ver com preocupação – Dia das Mães. Parace que as mães preocupam-se com o encaminhar e o caminhar de seus filhos na vida. Fundamental, como dizes, é não tornar a preocupação um hábito nocivo. Esse é um alerta que procuro ter presente e que, a partir da leitura do teu ensaio, reforçarei. Parabéns, está muito bom! Adorei quando dizes que a vida é “obra de arte”. Cabe a cada um escolher tintas, cores, materiais, temas e caminhos para tornar sua obra linda de ser vivida e construída.
beijo,
Oi Lidú,
Parabéns!!! Perfeito! Tem pessoas que transporta a alma para o papel, e você é uma dessas. Um verdadeiro “banho” de sabedoria e bom senso.
Sauades, Esaú
Olá Lidu,
Esta mensagem sobre a ansiedade, preocupação e aflição que mostra a importância de se viver um dia de cada vez e não potencializar os problemas que surgem em nossas vidas, me faz refletir sobre o grau de evolução que podemos ter se encararmos cada problema que surge como uma forma de transcender os obstáculos que temos que passar em nossa existência. E assim, nos tornarmos pessoas melhores.
Vamos deixar cada dia com o seu mal.
Um grande abraço.
Ianna Wivianne
Ah! Já ia esquecendo. Parabéns pelo texto! Como ressaltou o colega Esaú, “um verdadeiro banho de sabedoria e bom senso”. Vou ficar aguardando seu próximo artigo. Bjos
Dra. Liduina, sinto que o texto já é o início da levitação; interessante o “arejar nossas escolhas”, deixando ” abertas as portas da serenidade e da criatividade”; a metáfora é perfeita, uma vez que “portas abertas” lembram ar circulando, e temos precisado muito de oxigênio ;
como sempre os textos que vc escreve são atemporais,e como como atemporais nos ajudam hoje e nos ajudaram e ajudarão a qualquer tempo: são seu pensamento : passado/presente/futuro , numa eterna criação/recriação.
parabens!!
obrigada pelas reflexões.
jovina
jovina
Lidú, você é para mim uma surpresa a cada dia! Sinto-me honrada por tê-la conhecido e feliz pela oportunidade de refletir sobre seus pensamentos.
Obrigada pela lembrança da importância do ato de respirar…
Lidu!!!!
Você é maravilhosa. Já mandei para duas pessoas que conheço o endereço do Blog. Achei lindo, inspirador e orientador.
Vou acompanhá-lo.
Só pude ler agora, pois meu final09/início10 foi complicado. Fiz uma cirurgia de cervical e estou retomando algumas atividades, lentamente. Estou reaprendendo a efetuar alguns movimentos básicos fque não efetuava mais.
Beijusss e felicidades
Lidú, você foi muito feliz nesse texto. Não é novidade que quero ser você quando crescer.
Beijos!!!