
O que é a verdade?
Essa é uma pergunta de adultos. É tema que não habita a casa das preocupações infantis.
E a razão é simples. O que coloca a busca pela verdade no centro da atenção é a necessidade humana de que essência (o que somos) e existência (como vivemos) estejam sempre em sintonia. E a autenticidade é própria das crianças, seus comportamentos são manifestações do que sentem e pensam.
Quando buscamos o sentido da palavra verdade nos dicionários, encontramos diferentes acepções: eficácia, validade, correspondência, evidência, revelação, unidade.
Mas, para longe dos dicionários, o que queremos quando buscamos a verdade?
Se pedirmos ajuda à Filosofia, encontraremos muitas explicações. E todas preciosas, pois o que um filósofo diz, necessariamente, não nega o pensamento do outro. A não ser que tenham visões de homem e de mundo, opostas.
Para Platão, a verdade é o discurso que corresponde às coisas como elas são de fato.
Em Aristóteles, o sentido da palavra verdade é ampliado, pois para ele, além de afirmar o que é algo, a verdade nega o que esse algo não é. Se examinarmos bem esse conceito, veremos que Aristóteles rejeita a omissão quando afirma que não basta dizer o que é, faz-se necessário denunciar o que não é.
E esse é um passo importante rumo à elucidação do que é verdadeiro. Muitas vezes, nos omitimos por considerar que se ficarmos calados, não estaremos mentindo. Tendemos a considerar aceitável o escapar da nossa responsabilidade diante dos outros e do mundo, pela via do silêncio conivente.
Santo Agostinho pregava que a verdade é a unidade entre a natureza e o ser. Ele queria dizer que quando alguém reproduz em tudo o que faz o que é, está sendo verdadeiro. Por isso, para o santo pensador, a maior verdade é Deus. Uma vez que na sua visão, o Criador é plena manifestação de sua natureza divina.
Para Marx, a verdade são as condições concretas que reproduzem nossa existência, por isso, ele dava tanta ênfase à necessidade de revelar o caráter alienante que o trabalho e o consumo podem ter.
Em Sartre, a verdade é a escolha. Para o existencialista francês, somos seres condenados à liberdade, por isso, nossa verdade é sempre o fruto de nossas escolhas.
Mas, pelo fato de os filósofos terem abraçado o tema da verdade, não devemos pensar que, enveredar pelas suas sendas para enxergar-lhe o sentido é um exercício desligado da vida nossa de cada dia.
A busca da verdade é um anseio existencial e algumas cenas do dia-a-dia podem exemplificar esse fenômeno:
- Alguém descobre que está sendo enganado pelo seu par amoroso e desesperado diz: “Eu só queria a verdade!!”.
- Um pai tem todas as suspeitas de que o filho é dependente de drogas, mas se esforça para não constatar o fato.
No primeiro caso, a lamentação da pessoa traída parece colocar o direito à verdade, acima da necessidade de amor, o que pode ser indicativo de que amor e verdade são inseparáveis.
No segundo caso, inconscientemente, o pai sabe que estabelecida a verdade, terá que agir como pai e educador daquele jovem, terá que tomar atitudes que possivelmente, não quer ou não se julga preparado. para abraçar. Ou seja, trazer a verdade à tona inaugura nova realidade e pede postura diferente. A verdade traz o germe da mudança.
A verdade é tema tão complexo, tão imbrincado e com repercussões tão contundentes às questões humanas mais fundamentais que seria onipotência, prepotência, presunção ou as três atitudes juntas, tentar definí-la.
Ela é um conceito amplo, denso e tecido com fios de múltiplas dimensões da realidade. Por isso, antes de colocar a mochila nas costas e sair procurando atalhos que nos aproximem do lugar da verdade, é sábio ouvir Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) quando diz: “A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.”.
E ele tem razão. A verdade não tem dono. Não se deixa aprisionar por uma só pessoa. Talvez por isso, o discernimento e a lucidez sejam palavras cujos significados estejam tão ligados ao sentido de ter clareza, de enxergar a realidade sob a luz e sejam faculdades tão perseguidas por quem busca sabedoria.
Os sábios são pessoas que têm exata noção de suas potencialidades e limites e sabem construir sua essência e existência em compasso com essa constatação, respeitando a realidade e admitindo a capacidade criadora e produtora de saber e vida de seus semelhantes. Isso posto, é plausível concluir : o que diferencia um sábio dos demais é que eles desenvolveram maior capacidade de discernimento e lucidez.
Um belo exemplo? Goethe, autor do incrível livro “Fausto”, momentos antes de morrer, disse ao seu camareiro que abrisse a janela e pediu-lhe: “Luz, luz, mais luz”. O que o brilhante escritor alemão queria era não perder o discernimento, marca de sua vida e característica que nunca faltou à sua grandiosa obra.
Discernir quer dizer ver com clareza, distinguir o supérfluo do que é essencial e lucidez vem de lúcida que é o nome que se dá à estrela mais luminosa de uma constelação. Não é por acaso, que quando alguém sofre algum processo mental que diminui sua capacidade de julgamento, se diz que ele perdeu a lucidez, ou seja, não consegue pensar com suficiente clareza.
No cotidiano, apesar de ouvirmos a todo instante a palavra verdade, muitas vezes, é o seu oposto, ou a mentira que se faz presente nas transações comerciais, nos relacionamentos, sejam familiares, profissionais, amorosos e sociais.
A omissão da verdade e a mentira são potenciais causadores de insegurança, desconfiança e, por extensão, de angústia e desamparo e por esse motivo, estão no núcleo de muitos conflitos, desencontros e tragédias humanas. Daí a essencialidade da reflexão sobre o papel da verdade como atitude geradora de bem-estar social, emocional e paz.
Khaled Hosseini, no livro O Caçador de Pipas, diz que a mentira é um roubo, pois quando mentimos, furtamos de alguém o direito de saber a verdade.
Ás vezes, até parece que a mentira tem o poder de eliminar a necessidade da verdade. Será mesmo?
Vital Farias, poeta paraibano, diz na sua poesia telúrica que “mentira de água é matar a sede”. Muita sabedoria para dizer que a água sacia momentaneamente, mas não acaba com a sede. A secura por água é como o desejo da verdade. Uma mentira pode até aliviar ou suspender um pouco a vontade de verdade, mas a qualquer hora ela irrompe com força.
Estabelecida a impossibilidade de definir o que seja a verdade, vamos pensar em atitudes que, na maioria das vezes, impedem a sua passagem?
- Má fé – É a atitude que parece basear-se em critérios justos e dignos, mas esconde uma intenção maldosa ou perversa;
- Opressão – Tipo de violência que atenta contra a necessidade humana de autoexpressão. Supressão da expressão, seja pela tirania, manipulação, censura ou qualquer outro tipo de violência física ou moral. No ambiente de trabalho, a prática mais aviltante de opressão é o assédio moral. A violência moral cria uma teia de omissão e conivência nutrida pelo medo que suprime o conhecimento no ambiente que a abriga.
- Opinião imutável – É o conhecimento ou crença que não possui garantia da própria validade, mas mesmo assim busca firmar-se como correspondente autêntico da realidade.
- Maledicência – é o discurso que fala com a voz da inveja ou da maldade. Para o maledicente a verdade é a espuma que sai de sua ira ou rancor. É a intriga filha primogênita da própria inveja.
- Certeza cega – conhecimento que se fecha na presunção e não dá abertura para o novo, para as rupturas próprias do conhecimento e da realidade.
- Preconceito – Opinião formada sem o devido conhecimento da realidade ou ponderação dos fatos.
- Prepotência – Atitude de quem se supõe dono do poder e, por extensão, detentor da verdade e que se coloca tão acima de tudo e de todos que se torna incapaz de enxergar os fundamentos humanos do viver e do conviver.
E quais seriam as atitudes promotoras da verdade?
- Integridade – é a atitude de quem é capaz de expressar o que supõe traduzir fielmente os fatos e idéias, mesmo que essa expressão fira seus interesses individuais.
- Reciprocidade – Atitude baseada na busca da justiça e da equivalência entre ação e reação nos relacionamentos ou transações.
- Humildade – Resulta do reconhecimento do valor de si mesmo a partir da consideração do valor ou capacidade dos semelhantes. Os humildes não se vangloriam e quem se exalta acaba tendo que apelar para os artifícios da omissão ou do disfarce da realidade, incorrendo em inverdades.
- Retidão – é a capacidade de julgar e agir sempre de acordo com critérios e valores inabaláveis.
- Curiosidade – Zelo pelo conhecimento. Desejo aceso de desvendar, descobrir, romper com estruturas de conhecimento alimentadas pelo erro e a ilusão.
Chegando neste ponto do percurso, já é possível concluir que ser verdadeiro é uma questão de atitude.
Verdade é o que permanece depois que abstraímos nossos interesses egoístas, nossas paixões mesquinhas, nossas miopias e ilusões narcísicas.
A verdade de cada um depende do significado e propósito da sua própria vida.
- Significado é como nós percebemos e entendemos nossa vida.
- Propósito é a finalidade geral que alimenta e direciona nossa vontade.
E essas são as duas grandes verdades pessoais para as quais todos nós devemos lealdade. Não precisamos nos preocupar com a verdade. É suficiente vivê-la.
A verdade é o grito e a luz da própria sabedoria, por isso é inexorável.
A voz da verdade não se cala. Ela alimenta-se do desejo de conhecer que move a própria humanidade.
Lidu, gosto muito do conceito expressado por Khaled Hosseini, no livo o Caçador de Pipas, comparando a falta da verdade com o roubo.
bj!
Adorei o texto sogrinha!!! A verdade liberta!
Beijos!!
Lidú, minha mestra querida; neste momento , misto de prazer, orgulho, alegria e admiração, com a alma ilmuninada de lágrimas cuja nascente é a emoção por tuas palavras e tua sabedoria, não fica a perlexidade pela tua inteligência ( que conheço desde os tempos de menina), mas a comoção por ver que tua sensibilidade , que sempre soube grandiosa , não tem limites…
um beijo!! obrigada por nos ensinar com tanta humildade, tanta leveza, tanta ética e finalmente, com tanta verdade….
beijo
jovina ( eterna adimiradora)
Como alimento para o corpo, são seus artigos para a nossos valores. às vezes modifica-os, outras vezes corrige-os e tantas outras fortalece-os.
Parabens! primeiro contato e já sou seu fã.
Weligton
Boa menssagem!!
Lidu,
Finalmente consegui tempo para ler seus escritos. Começo por este.
Bj
Quero poder ter sempre tempo para ler seu blog..as suas palavras sao como um balsamo para a alma….a verdade contida nelas e’ transparente, faz um bem imenso e amplia nosso conhecimento.Obrigada.
Um Abraco